Postado por: Admin em Sexta, 06 de Fevereiro de 2004 às 09:51
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Naquela manhã Dona Edwvirges se levantou mais cedo, vestindo seu manitó de lã preto, desceu rapidamente as escadas, com muito cuidado para não fazer barulho, pois todos ainda dormiam. Passou pela cozinha, uma chaleira de ferro fumegava no imenso fogão de lenha, o que significava que Sinhá Donana já estava acordada. Abriu as duas abas de madeira pesadas da janela, que dava para o bosque. Ficou parada por alguns instantes contemplando a bela vista que tanto amava. Conhecia cada palmo daquele chão, pois nasceu naquela fazenda, ali passou toda a sua infância, casou-se há um pouco mais de meio século e, ali mesmo naquela imensa casa, foi feliz. Imensamente feliz.
Seus oito filhos nasceram e se criaram circulando por todo aquele espaço, interno e externo, e agora era a vez dos netos.
Foi até a saleta do hall de entrada, parou em frente ao grande espelho do consolo e se fitou por alguns instantes. Prendeu a grande trança de lindos cabelos brancos, fazendo um coque sobre a cabeça, ajeitou o capuz do manitó, pegou uma bengala dentre tantas no porta chapéus e se dirigiu à grande porta de carvalho de duas abas. Com agilidade tirou a pesada tranca de ferro e, por fim, abriu uma das abas da porta, saindo em uma imensa varanda que contornava a casa, com seu belo gradeado chumbado com decorações em uvas e flores das montanhas.
Desceu a escadaria ganhando um caminho que contornava a grande casa da fazenda, cujo orgulho dos seus antepassados era o número de janelas e portas, no total de sete portas para sete janelas em cada lateral e fachada no total de vinte e uma.
Lentamente, respirava o ar da manhã. Chegando na estrebaria, fez sinal para um senhor enrolado em uma manta, que dava feno aos cavalos. Este agiu como se já soubesse exatamente do que se tratava, desapareceu por alguns minutos e logo retornou puxando um cavalo selado. Com muita agilidade, ela montou no cavalo e saiu em disparada em direção ao bosque.
Chegando na clareira do bosque, apeou rapidamente e adentrou por uma trilha que lhe deu acesso a uma casa tosca de madeira. À medida que se aproximava, várias mulheres de idades diferentes vinham ao seu encontro.
- Senhora, acabamos de colher o último cesto das maçãs, está uma belíssima safra.
- É o que já imaginávamos. Finalmente estamos estocadas para o inverno. Ainda falta a colheita do trigo que este ano também vai ser muito farta. Precisamos correr para a organização dos altares do Mabon.
- Já reservamos as folhas secas e os galhos para as guirlandas. As sementes também já estão nas cabaças para o ofertório ao Deus Sol.
- Muito bom. Vamos enfeitar o altar do Deus Sol com belas guirlandas e velas amarelas.
- O vento já está mudando. Hoje amanheceu ventando sul, o frio está começando a nos manter mais perto do fogo, e essa noite comemoraremos o nosso Mabon, o equinócio de Outono. As folhas já estão apresentando suas cores marrons e douradas.
Uma senhora do grupo, que parecia a mais velha delas, disse:
- Então já que vocês estão com tudo em ordem para o ritual, vou voltar para a casa grande, acordar as minhas netas dorminhocas e ver se a Donana já começou a fazer os bolos e pães do ritual.
Ao chegar na cozinha percebeu que todos já estavam ocupando a imensa mesa de madeira para o café da manhã. Dando a volta e cumprimentando a todos, tomou seu lugar na cabeceira da mesa.
- Vó, hoje é a celebração do Mabon. Por quê esse nome? - perguntou uma das netas caçula, que como os demais viviam na cidade com os pais, só indo para a fazenda em época dos rituais, quando toda a família se reunia, formando assim uma tradição secular.
- Ah, meu amor, é uma história belíssima! Esse dia tem o nome de um Deus: Mabon.
O Deus Mabon era um menino valente, muito belo e corajoso. Desde muito cedo aprendeu a amar e conviver com todos os elementos da natureza, em especial com as árvores e riachos. Estava sempre fugindo para a floresta para brincar com os animais e com as árvores e plantas.
Mabon sempre fora um garoto livre e gostava muito de correr pelos campos e florestas. Era um Deus jovem e irradiava uma luz muito bonita.
Certa vez, no dia do Equinócio de Outono, Mabon desapareceu enquanto brincava nos campos de trigo. Sua mãe, Modron, guardiã do além, protetora e curandeira, a própria Terra, chorou com grande tristeza.
E as árvores perderam as folhas, e depois os dias tornaram-se escuros e frios. E tudo foi tristeza. Com medo de que essa época tão escura nunca terminasse, Mabon foi procurado pelos quatro cantos, por todos os guerreiros da Terra. E com a ajuda dos animais vivos mais antigos, dentre eles o corvo, a coruja, a águia e o salmão, Mabon foi encontrado, já livre de onde estivera todo o tempo.
O que ninguém sabia é que Mabon havia estado no além mágico de Modron, o útero da Terra, um lugar de encantamento e desafios, onde o jovem garoto pudera se tornar um guerreiro de verdade, e depois renascer como o filho da luz.
A luz de Mabon havia sido tragada pela Terra apenas para ganhar força e tornar-se uma nova semente...
E era assim que os gauleses explicavam a chegada do Outono, e os Gregos o faziam de forma bem semelhante, através do mito de Perséfone.
O Outono é o tempo que temos para reunir forças para o inverno, crianças, enquanto as colheitas seguem e metade dos campos já desapareceu. É época de nos fecharmos em meditação, e olharmos para dentro de nós mesmos, e também da Grande Mãe, que está por envelhecer e se tornar a Anciã. Hoje à noite celebraremos o nosso Mabon com alegria e muitos agradecimentos à nossa mãe Terra e ao Deus Sol que começa a se recolher para que a terra seja fertilizada e dê novos frutos. É o círculo natural da vida, pois a Grande Mãe sempre provém a todos com fartura e prosperidade.
- Que linda historia, vó! Hoje à noite vou celebrar com mais intensidade, pois agora conheço a história do deus Mabon.
- Naquela noite de Mabon, Dona Edwvirges chamou sua neta no altar das oferendas e lhe falou:
- Veja e entenda bem como fechamos o círculo sagrado. Hoje eu celebro o Mabon, alimentando vocês com as frutas e verduras da mesma terra que um dia minha mãe celebrou, e que um dia a mãe dela celebrou e assim outras antepassadas também celebraram, por que a vida é assim. A Mãe Terra é única, nós é que somos mutantes, um dia você é que estará aqui celebrando a fartura provinda Dela, que é a mesma, e eu já não estarei aqui. Você estará passando isso para as suas descendentes e assim sucessivamente. E que assim seja e assim se faça para o bem de todos, porque assim foi, assim é e assim será...
E assim foi... essa neta se chamava Francisca, e hoje eu, a sua neta celebro o nosso Mabon e que um dia será celebrado pela minha neta, e assim sucessivamente, e a Mãe Terra estará aqui farta, abundante, só depende de nós.
- Graça Azevedo / Senhora Telucama -
(Suma Sacerdotisa do Templo Casa Telucama - Mabon de 2003.)
"O universo é meu caminho; o amor, a minha lei; a paz, o meu abrigo. A experiência, a minha escola; a dificuldade, o meu estímulo; o obstáculo, a minha lição; a Sabedoria, meu objetivo; a compreensão, minha benção; o equilíbrio, minha atitude; a perfeição, minha meta; a plenitude, meu destino."