27 de abril de 2015

SOLIDÃO





Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver.
Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço.
Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço.
Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em
mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só.
Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando
migalhas, confundindo estar cercada por pessoas, com ter amigos.
Sem ela me manterei aturdida, ocupada, agendada só para driblar o
tempo e não ter que me fazer companhia.
Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias
tolas só para não ter que me recolher e
ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo.
Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei
vazia em leitos áridos.
Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me
desconhecerei, me perderei.
Solidão é o lugar onde encontro a mim mesma, de onde observo um jardim
secreto e por onde acesso o templo em mim.
Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui
dentro.
Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é
coisa do sábio que podemos ser.
Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão
pode ser oásis e não deserto.
Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser
resgate e não desacerto.
Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa
espertalhões,
turbinados, bossais, a solidão pode ser proteção e não contágio.
Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a solidão pode ser
liberdade e não fracasso.
Solidão é exercício, visitação.
É pausa, contemplação, observação.
É inspiração, conhecimento.
É pouso e também vôo.
É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da
memória, dos sonhos;
quando a gente se retira da multidão e se faz companhia.
Preciso estar em mim para estar com outros.
Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado.
Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos.
Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma
comunidade.
Somos sociáveis, gregários.
Queremos amigos, amores.
Queremos laços, trocas, contato.
Queremos encontros, comunhão, companhia.
Queremos abraços, toques, afeto.
Mas, ainda assim, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se
gostar e ser feliz.
O desafio é poder recolher-se para sair expandido.
É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho
e esquecer o medo da própria sombra.
Ouse a solidão e fique em ótima companhia.
 Hilda Lucas